segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Vivo por ele integralmente, e por que não somos felizes?

O encontro amoroso é o encontro de duas pessoas distintas singulares. Isso significa que cada um tem suas necessidades específicas, suas aspirações, desejos e sonhos. O verdadeiro casamento não anula essa individualidade, mas ao contrário preserva-a, acrescentando mais um espaço, o da relação. Cada um continua sendo ele e, além disso, participa ativamente de um mundo comum. São, portanto, três realidades: a do marido, a da mulher e a do casal. 

No exercício da própria individualidade cada parceiro busca energia e alegria para fortalecer a parte em comum. Quando se perde essa autonomia, em nome do amor ao outro, estabelece-se uma relação de dominador e dominado, de escravidão que, mais cedo ou mais tarde, se traduzia em hostilidades, depressão, cobranças e mágoas. Ninguém em sã consciência quer ter prazer, às custas do sofrimento e da submissão do outro.

Aprendemos que amar é renunciar pelo outro, e esse é um grande problema do casamento tradicional, pois provoca a infelicidade e as dificuldades tanto para os parceiros quanto para a relação. Integrar a minha vida pessoal com a vida conjugal é o grande desafio. Viver por alguém ou viver de alguém é o que nos ensinaram. Viver com alguém é o que temos de aprender para termos relações saudáveis e nutrientes. 

Uma certa dependência é natural entre as pessoas, principalmente se estão próximas, vivem juntos e tem objetivos comuns, não existe casamento sem interdependência. Os parceiros pensam um no outro constantemente e gostam de fazer coisas em comum. Isso, porém, não pode ser desculpa para a perda da autonomia de cada um no trabalho, nos gostos pessoais, nas amizades, etc. Não é o que ocorre frequentemente nos casamentos. 

A grande fantasia é querer que o companheiro pense, sinta e haja em sintonia total e absoluta com o desejo do outro. A raiz dessa expectativa é acreditar que um completará o outro. O que é impossível. A relação misturada, simbólica, de dono e escravo, além de tumultuada e dolorosa, encerra perigos reais. 


Quantas violências ocorrem entre casais em nome desse falso amor. Há pouco tempo, vimos pela imprensa o caso de uma rapaz que, por não aceitar o término de um relacionamento, matou sua noiva, matando-se em seguida.
Podemos deduzir sem nenhuma dúvida que era uma relação que, durante algum tempo, um vivia pelo outro, em função total do outro, esquecendo-se do próprio crescimento, das próprias necessidades e da própria autonomia. 

A relação de dependência funciona como tóxico e as pessoas envolvidas tornam-se viciadas uma na outra. Quando uma delas percebe a insanidade da relação e se cansa do sofrimento provocado pela relação e resolve se separar, o outro que continua insano não aceita o rompimento e é capaz de loucuras. A relação afetiva não é para resolver problemas emocionais como angústia, insegurança, inferioridades, medos infantis, afirmação de identidade, desejos de dominar ou se submeter. A relação afetiva é apenas para partilharmos com outro nossa capacidade de sermos felizes. Cada um tem de desenvolver essa competência independente do outro.

Quando acreditamos que nossa felicidade depende do outro, caímos na tentação de controlar o companheiro, através do mando ou da submissão. Nesse momento, a relação amorosa que é lúdica, por natureza, torna-se competitiva e, ao invés da brincadeira, é o jogo que a determina.

A mulher não entende por que o jogo de abrir mão dela própria em função do outro não está funcionando: -“Ele não tem reconhecimento pelo que eu faço”. A questão é simples. Ele também está jogando. Ele percebeu que toda a “bondade” dela é para ter reconhecimento, é para submetê-lo. Ele tem medo de mostrar reconhecimento e ela resolver sair da escravidão. Mulheres que “amam” demais são complementares a homens que “amam” de menos. Para manter a trama perversa ele joga o jogo da indiferença, do difícil, do que pode abandoná-la a qualquer hora. E ela sedenta de reconhecimento, de afeto, aumenta a submissão e ele aumenta a distância. É um jogo sem fim… E todos perdem.

Imaginem um outro cenário: Ela, centrada na própria individualidade, cuidando do próprio desenvolvimento, com amizades próprias, alegre, amando a si mesma e querendo dele apenas um companheiro para sua alegria. E ele, da mesma forma, aprendendo a ser feliz sem precisar dominar ninguém e dispondo a compartilhar sua felicidade com ela. Aí teríamos o verdadeiro casamento, ou seja, a alegria e não as neuroses. Uma boa razão tinha o psicólogo Fritz Pearls quando escreveu:

Eu sou eu e você é você.
Eu faço minhas coisas e você faz as suas.
Não estou nesse mundo para atender às suas expectativas e nem você atender às minhas.
Eu sou eu e você é você.
Se nos encontramos assim, é o amor.
Se não, o que eu posso fazer?

Antônio Roberto (Psicologia Organizacional e de Desenvolvimento de Comportamento Humano)

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